Sete meses após a eleição presidencial, um deputado encaminhou à Câmara texto que pedia a anulação da lei que tornou Paulo Freire o patrono da educação brasileira há oito anos. Em meio à discussão em torno do modelo de educação proposto por Freire e que ganhou contornos ideológicos extremos, o Google acompanhou um aumento acentuado nas pesquisas com palavras-chave como “Quem foi Paulo Freire?”, “Frases de Paulo Freire”, “Método de ensino de Paulo Freire” e “Energúmeno” – esta é a pesquisa mais buscada por internautas, uma referência à palavra usada por Jair Bolsonaro (sem partido) para falar sobre o professor.
Alvo de ataques e apontado pela direita radical como o inimigo número um do Brasil, o pernambucano que revolucionou a educação brasileira tornou-se samba enredo da Águia de Ouro que a partir da história de Freire angariou pela primeira vez o título de campeã do Carnaval de São Paulo. Também em contrapartida às agressões sofridas em território nacional, o educador permanece mais de duas décadas após sua morte destacando-se em discussões intelectuais em universidades de todo o mundo que reverenciam as técnicas de alfabetização e dialogismo propostas pelo pernambucano. “Pedagogia do Oprimido”, obra mais importante de Freire, propõe esta pedagogia crítica tão característica da metodologia Freiriana – aliás, é a terceira obra mais citada em trabalhos acadêmicos da área de humanas em todo o mundo.
Frente a tantas discussões, uma importante questão permanece sem resposta para muitos: afinal, quem foi Paulo Freire e qual a sua importância? Veja abaixo três importantes pontos levantados sobre a história do pensador e sua obra (e três indicações para conhecer mais sobre ele):
1. Angicos e alfabetização de adultos
Às vésperas de ser exilado pela Ditadura Militar, o educador Paulo Freire viajou até um município desconhecido no sertão do Rio Grande do Norte onde em apenas quarenta horas ensinou trezentos adultos a ler e a escrever. Esta foi a primeira experiência de alfabetização em massa feita no Brasil e revolucionou a educação no país. À época, o projeto foi financiado pelos Estados Unidos que acreditava encontrar na educação uma arma na luta contra o comunismo na América Latina.
A metodologia posteriormente considerada subversiva partia de palavras comuns ao cotidiano dos alunos para ensiná-los – a leitura de artigos da CLT nas escolas de Angicos seria a grande responsável por inspirar os trabalhadores estudantes a exigirem melhores condições de trabalho. Entenda melhor a história nesta matéria da Repórter Brasil que discute o método aplicado em Angicos e como a educação mudou o município.
2. “Pedagogia do Oprimido”
O exílio no Chile rendeu a Paulo Freire em 1968 a publicação da obra mais importante de seu capital intelectual. Com mais de meio século de existência, “Pedagogia do Oprimido” recebeu traduções em mais de vinte países e revela a origem do pensamento Freiriano, esmiuçando as relações entre oprimidos e seus opressores. O patrono da educação brasileira sugeria ali o pensamento crítico como a única forma de libertação e emancipação do indivíduo. Esta é a terceira obra mais citada em trabalhos na área de humanidades do mundo inteiro segundo levantamento da London School of Economics.
3. Exílio
A experiência em Angicos inspirou o Plano Nacional de Alfabetização que seria implantado por João Goulart, mas acabou arquivado no Brasil logo após o Golpe Militar de 1964. Frente as reivindicações de trabalhadores educados no município do Rio Grande do Norte, militares à frente da Ditadura entenderam que havia na alfabetização um perigo de revolta entre as classes mais pobres diante das transformações sociais proporcionadas pela educação.
À época, apenas podiam votar aqueles brasileiros que soubessem ler e escrever – a formação de adultos alfabetizados traria à baila também a formação de eleitores. Em artigo para a Folha de S. Paulo, o biógrafo Sérgio Haddad esclarece que dias após a partida de Freire para o exílio, o tenente-coronel Hélio Ibiapina Lima (indiciado na Comissão Nacional da Verdade por crimes cometidos durante o regime militar) descreveu em inquérito que o educador era “um dos maiores responsáveis pela subversão imediata dos menos favorecidos”.
4. “Grandes Educadores – Como Paulo Freire se tornou ícone e o que há dele na educação de hoje”
Último episódio da temporada do podcast “Folha na Sala” relembra a trajetória do professor e a revolução por ele feita na alfabetização da adultos. Clique para ouvir.
5. “Quem foi Paulo Freire e seu trabalho como educador”
Curta-documentário do Nexo Jornal esclarece a trajetória e o pensamento de Paulo Freire – discute também relações com a ditadura militar, exílio, Karl Marx e Jesus Cristo. Assista aqui.
6. “Afinal, quem foi Paulo Freire?”
Episódio do Estadão Notícias contextualiza críticas políticas feitas à obra de Paulo Freire, escuta o doutor em História Sérgio Haddad, biógrafo do educador e propõe respostas para: “Os ataques fazem sentido?” E “Que papel e influência o educador teve na pedagogia educacional brasileira?”. Clique e ouça pelo Youtube.